[NR-13] Tratamento da água da caldeira
Nesse artigo falaremos do tratamento da água da caldeira, etapa importante na operação segura e eficiente desses equipamentos.
A NR-13 atende pelo seguinte título:
CALDEIRAS, VASOS DE PRESSÃO E TUBULAÇÕES E TANQUES METÁLICOS DE ARMAZENAMENTO
Na minha opinião, a NR-13 faz parte daquele grupo de normas mais difíceis para o Profissional SST. Ela se compara em complexidade com a NR-10 (segurança em instalações e serviços de eletricidade) e a NR-12 (segurança no trabalho em máquinas e equipamentos).
Veja também: Guia da NR-13 para o Profissional SST
No início dos anos 1900, muitos acidentes ocorreram em caldeiras. Cabe lembrar que, desde o começo, as máquinas industriais foram sendo movidas a vapor, com mudança nos equipamentos e nas fontes de energia com o passar do tempo.
Por isso, uma série de normas técnicas foram criadas internacionalmente, buscando trazer equipamentos mais seguros e confiáveis. Um dos parâmetros citados em tais normas é a integridade estrutural da caldeira.
Nesse sentido, uma das etapas importantes é o correto tratamento da água da caldeira. A NR-13 vai tratar especificamente das caldeiras com pressão de operação superior a 60 kPa (sessenta quilopascais).
O que é a caldeira? Por que é preciso tratar sua água?
Para quem não sabe, caldeira a vapor é um equipamento usado para produzir e acumular vapor de água sob pressão. Esse vapor depois é usado nos processos industriais de aquecimento de produtos ou para a geração de trabalho mecânico, isto é, promovendo energia para o movimento de algum equipamento específico.
Dicas de DDS: caldeiras e vasos de pressão
Para aquecimento, é usado vapor saturado, ou seja, com pequenas gotas de água. Para movimentar turbinas ou outros equipamentos, é usado vapor superaquecido, também chamado de vapor seco. A umidade de um vapor úmido nas turbinas causaria maior abrasão e, com isso, desgaste dos equipamentos. O arraste gera problemas após a caldeira, inclusive possíveis golpes de aríete.
Em geral, o vapor será utilizado para as caldeiras. Existem outros exemplos de equipamentos de transferência de calor que também costumam ser chamados de caldeiras, mas menos comuns e que usam fluidos térmicos ou geradores de água quente.
Uma caldeira comercializada por fabricação, em série e no Brasil, precisa ser certificada pelo Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade (SBAC). O SBAC é mantido pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), que certifica mais de duzentas e cinquenta famílias de produtos industriais, de diferentes tipos.
A caldeira terá os seguintes itens mínimos, segundo a NR-13:
- Válvula de segurança ajustada até a pressão máxima de trabalho admissível.
- Mostrador da pressão de vapor acumulada.
- Sistema de drenagem rápida de água nas caldeiras de recuperação de álcalis.
- Sistema de controle de nível de água para evitar superaquecimento por deficiência de quantidade dessa água.
- Etiqueta com informações básicas sobre fabricante e pressão máxima admissível.
- Documentações específicas de caldeira, que devem ser repassadas ao comprador em caso de venda.
A água é uma substância que possui boas propriedades térmicas para ser utilizada em operações de aquecimento e resfriamento. Em termos técnicos, ela tem uma capacidade térmica bem elevada, de 1 cal/ºC, o que permite aumentar ou diminuir de temperatura de forma mais rápida do que outras substâncias. Isso gera economia de combustível em relação a essas outras substâncias.
Por outro lado, ela dificilmente é encontrada pura na natureza e funciona como solvente para diversas substâncias, como sais, óxidos, hidróxidos e gases. Diante dessa condição de solubilidade, a água usada na caldeira precisa ter um tratamento adequado. Caso contrário, haverá formação de níveis indesejados de óxidos metálicos, depósitos de lama, corrosão e incrustação nas paredes internas, diminuindo sua espessura, portanto alterando os parâmetros de projeto das caldeiras, e tudo isso pode levar a acidentes graves.
Os depósitos se formam porque parte da água se transforma em vapor e o restante dessa água dissolve uma maior quantidade de sólidos. Existe um limite de solubilidade da água e os excedentes irão se transformar no material precipitado, pois não estão solubilizados e estão em ambiente quente, que favorece as reações químicas.
Em caldeiras de baixa pressão ocorre entrada de ar e concentração de oxigênio dissolvido durante as paradas do equipamento. Esse é um dos motivos da ocorrência de corrosão.
A incrustação mais comum ocorre pela deposição de carbonato de cálcio (CaCO3). Em termos químicos, mais específicos, as propriedades químicas danosas mais comuns são:
- Presença de íons corrosivos como o Cl– e o SO4 2-.
- pH baixo, em torno de 7 (aproximadamente neutro), sendo o ideal uma condição alcalina (pH superior).
- Presença de gás oxigênio (O2).
- Presença de dióxido de silício (SiO2) e dos íons Fe2+, Ca2+ e Mg2+.
- Presença de matéria orgânica.
Vejamos o que diz a NR-13:
“13.4.3.2 A qualidade da água deve ser controlada e tratamentos devem ser implementados, quando necessários, para compatibilizar suas propriedades físico-químicas com os parâmetros de operação da caldeira definidos pelo fabricante.”
Aliás, esse tema faz parte do “Currículo Mínimo para Treinamento de Segurança na Operação de Caldeiras”. Esse currículo está na NR-13, disposto no Anexo I. Se você procurar, dentro de uma lista, vai ver que a necessidade do tratamento da água da caldeira aparece no item 1.9.
Como é feito o tratamento da água da caldeira?
O tratamento da água deve ser uma ciência exata, realizado por químicos especializados, pois quantidades estequiométricas inadequadas (dosagens dos reagentes) podem levar a efeitos indesejados, piorando os problemas. Esse tratamento varia de acordo com a característica da água de entrada e também da caldeira.
Em geral, pode incluir:
- uso de um filtro de carvão ativado
- controle do pH
- remoção de sais minerais
- uso de aditivos químicos como cal sodada
- realização de controle de condutividade
- desmineralização sofisticada, passando por leitos de resinas com íons.
- precipitação com fosfatos
- tratamento com quelatos (ocorre a complexação, também chamada de quelação, de íons de cálcio e de magnésio – a dosagem estequiométrica necessita de precisão).
- eliminação do oxigênio (O2) dissolvido com sulfito de sódio ou barrilha (Na2SO3) e hidrazina (N2H4). Essa última tem a desvantagem de, se a pressão for alta ou a concentração alta, forma amônia.
- processo de osmose reversa em membrana seletiva produzida para esse fim.
- destilação (casos de energia abundante ou processos em instalações oceânicas, pois é um processo caro).
- dentre várias outras possibilidades.
Esse tratamento é feito na água de reposição da caldeira. Também pode ser necessário, visando evitar a deposição de sólidos, o tratamento da água da caldeira antes de sua chegada ao equipamento, nas tubulações.
O tratamento da água da caldeira também é importante para os equipamentos à jusante, isto é, o que vem depois. Turbinas a vapor podem falhar se receberem impurezas, podendo sofrer rachaduras, que são muito graves.
Os tratamentos mencionados até então são feitos na caldeira ou tubulações de acesso. O tratamento da água da caldeira também pode ser feito antes de que ela chegue ao equipamento, reduzindo o nível de contaminantes e, por consequência, as deposições e corrosões. Para isso, é possível usar estas técnicas:
- Clarificação, que é como se fosse um tratamento como aqueles para água potável em estação de tratamento de água (ETA) potável para consumo humano, com floculação, decantação e filtração.
- Abrandamento, que reduz sais de cálcio ou de magnésio.
- Desmineralização e desgaseificação.
- A remoção prévia da sílica, já que alguns tratamentos feitos dentro da caldeira não a conseguem eliminar. Usa-se as técnicas de troca iônica e tratamento com óxido de magnésio calcinado.
Cabe ressaltar que água potável não é o mesmo que água adequada para uso em caldeira. Uma fonte de água usada para outros fins ainda assim necessitará, caso usada no equipamento, do procedimento de tratamento da água da caldeira. Rios, caldeiras e poços não podem alimentar uma caldeira diretamente, também sendo necessário existir o tratamento prévio.
Quais indústrias usam caldeiras em sua produção?
Várias indústrias usam caldeiras em sua produção, ou seja, precisam dos trabalhos periódicos de tratamento da água da caldeira. Confira alguns exemplos que eu trouxe:
- Usinas termelétricas e nucleares, cujo aquecimento de água promove a movimentação de turbinas para a geração de energia elétrica.
- Indústria do papel e celulose.
- Indústria sucroalcooleira (açúcar e etanol anidro).
- Indústria química e petroquímica.
- Refinarias de petróleo.
- Indústria de suco de laranja (podem surgir contaminantes do processo nas caldeiras).
- Abatedouro e frigorífico.
- Fábrica de laticínios (leite, queijos, iogurtes, bebidas lácteas, doces de leite, dentre outros).
- Indústria têxtil.
- Fábricas de tintas, fundos e vernizes.
- Indústria cervejeira, de drinks, alambiques e fábricas de bebidas em geral.
- Fábricas que processam a madeira e a borracha.
- Indústria de equipamentos e meios de transporte navais.
- Indústria farmacêutica.
Pelos exemplos, é possível perceber a importância do cuidado com as caldeiras. Além dos fatores de segurança, muitas linhas de produção dependem desses equipamentos.
Quais os tipos de caldeiras que existem?
Existem vários tipos de caldeiras, que se adaptam às diferentes demandas comerciais e industriais das empresas que citei no tópico anterior. Vamos conferir quais são?
- Caldeira fogotubular – fogo e gases quentes circulam em tubos, e a água que será vaporizada circula no lado de fora.
- Caldeira aquatubular – a água circula no interior dos tubos e os gases quentes ficam por fora.
Nas caldeiras aquatubulares, existem alguns equipamentos periféricos, que auxiliam no desempenho delas:
- Pré-aquecedor de ar: aquece o ar antes de entrar na fornalha, promovendo economia de combustível pela entrada de reagente em temperatura mais alta, otimizando as reações químicas de combustão.
- Economizador: usa o calor dos gases de combustão da caldeira para pré-aquecer a água que entra na caldeira, também otimizando a temperatura e reduzindo consumo.
- Soprador de fuligem: jateia vapor no interior do feixe de tubos, evitando a concentração de fuligem, o que poderia prejudicar o desempenho e exigir mais manutenção.
- Superaquecedor: é o equipamento que torna o vapor úmido em vapor seco, permitindo o uso em turbinas.
As caldeiras fogotubulares, pela sua estrutura, não aceitam esses equipamentos periféricos que citei. Eles são exclusivos, portanto, das aquatubulares.
Consequências das incrustações
Além das questões de segurança, existem várias consequências dessas incrustações, como:
- Redução da eficiência térmica da caldeira, que fica com paredes mais grossas.
- Aumento do consumo de combustível, já que é preciso aquecer mais para chegar ao líquido.
- Redução da produção de vapor, visto que diminui a capacidade de armazenamento da caldeira.
- Possibilidade de ruptura de peças, em função da pressão.
- Deficiências no funcionamento de pressostatos, pois as incrustações atrapalham os mecanismos de medição.
Do ponto de vista visual, as incrustações alteram a cor das caldeiras. Conforme a cor do depósito ou da incrustação, pode-se inferir qual a composição química. Cálcio e magnésio geram cor branca, sílica leva à cor cinza ou esverdeada, compostos com ferro ficam marrons/avermelhados, dentre outros exemplos.
Tipos de corrosão nas caldeiras
A corrosão que ocorre nas caldeiras pode acontecer de diferentes formas, juntamente com as incrustações. São possíveis estes tipos:
- Pittings: também chamadas de pites, são corrosões pontuais.
- Corrosão galvânica: pelo contato de dois metais com potenciais de oxidação diferente e imersos em eletrólito (a própria água da caldeira é um eletrólito).
- Corrosão por tensão: devido a dobras nas peças excedendo determinados limites, o que é uma questão de projeto e execução da caldeira.
- Ataque cáustico: corrosão ocorre por excesso de íons OH–.
- Fragilização por hidrogênio, onde o hidrogênio reage com o carbono e forma metano. Cabe lembrar que o aço, além de ferro, contém carbono, então isso torna as paredes da caldeira mais frágeis.
A corrosão pode ser evitada com o uso de ligas metálicas adequadas. Outra possibilidade são dobras com tensões adequadas, ou ainda a execução de um procedimento chamado de hibernação.
Esse procedimento recebe o nome de hibernação e não é por acaso. Ele é feito quando a caldeira não está em uso, ou seja, desligada, com técnicas como o uso de dessecantes, que evitam a corrosão do meio interno.
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